quinta-feira, 14 de junho de 2007

REVISTA DA ARMADA - Junho de 2007

CELEBRAR O MAR


«O mar é um elemento decisivo da construção de Portugal e da afirmação consciente do ser português. Foi do mar que brotou a alma colectiva que edificou a nossa Pátria, com a convicção íntima de si própria, e o seu carácter vincadamente diferenciado. É o mar que nos permitirá manter um conceito de vida português, distinto, por exemplo, de outros povos amigos com quem partilhamos o projecto político de formação de uma nova Europa.
Todavia, vivemos num estado de insensibilidade colectiva relativamente ao mar! Por isso, é tão débil a noção de que o mar confere ao país uma capacidade de afirmação internacional muito maior do que aquela que decorre da dimensão física do seu território. Por isso, são tão desvalorizadas as ameaças à segurança nacional que, através do mar, encontram um mais fácil acesso. Por isso, se tira tão pouco partido da função do mar enquanto via de comunicação global de pessoas e bens. Por isso, se continua a poluir o mar, em níveis tão elevados, a exercer uma tremenda pressão urbanística sobre os espaços litorais, e a sobreexplorar os recursos marinhos.É a nossa actual indiferença mental relativamente ao mar, que nos impede de percepcionar convenientemente a sua importância para elevar e robustecer Portugal. Este problema é grave, e a sua solução passa, em primeira instância, por um enriquecimento da cultura marítima dos portugueses, porque só ela permitirá desenvolver os níveis de consciência necessários para se entender o real valor do mar para o nosso país.
A cultura marítima, em sentido filosófico, designa a vida intelectual ou o pensamento crítico e reflexivo dos portugueses sobre o mar. Por um lado, compreende o estudo das ciências e das artes ligadas ao mar e, por outro lado, aplica-se à designação de um estado de perfeição intelectual e moral sobre os assuntos do mar, normalmente atingido apenas por algumas elites nacionais.Em sentido sociológico, a cultura marítima traduz o conjunto de estilos, de métodos e de valores materiais que, juntamente com os bens morais relacionados com o mar, foram adoptados pelos portugueses. Neste contexto, abrange quer um acervo de apetrechos e de instrumentos marítimos, quer um conjunto de hábitos corporais ou mentais marítimos, que servem directamente para a satisfação das necessidades de desenvolvimento e segurança dos portugueses.
A contradição aparente entre a natureza psicológica do homem e o facto de que a cultura marítima, em sentido sociológico, transcende o indivíduo, deu origem, entre nós, ao conceito metafísico de mentalidade marítima. Foi este conceito filosófico e artístico, que fez nascer Portugal como pátria de um povo marítimo. No entanto, na actualidade precisa de ser fortalecido, para que, usando o mar, possamos valorizar o que fomos, o que somos e o que queremos ser, e que possamos pensar o mar como elemento fulcral da nossa vida colectiva, em função do qual poderemos conceber e pôr em prática os novos grandes projectos nacionais. Estes, serão assumidos por uma faculdade ou potência interior, em virtude da qual cada português manifestará um desejo, uma intenção, uma pretensão, uma tendência, uma disposição de espírito, ou uma propensão mais ou menos irresistível para a realização de actos de génese marítima. Isto é, cada um de nós determinar-se-á fazer o que lhe compete na óptica do interesse nacional, tendo o mar como referência. Será esta força intangível, vulgarmente designada por vontade marítima nacional e composta por fundamentos espirituais, intelectuais e materiais, que permitirá a mobilização dos portugueses na prossecução daqueles projectos colectivos, garantindo os desempenhos estratégicos que elevarão e robustecerão Portugal.
A Marinha, ao celebrar anualmente o mar a 20 de Maio, evoca a data histórica da chegada de Vasco da Gama a Calecute, e procura fortalecer a mentalidade marítima dos portugueses e animar os fundamentos espirituais, intelectuais e materiais da vontade marítima nacional. Para isso, as nossas cerimónias estimulam os sentimentos, as ideias e as tradições do povo relativamente ao mar, partilhando o acervo tão diversificado do Museu de Marinha, do Aquário Vasco da Gama e do Planetário Calouste Gulbenkian. As iniciativas da Comissão Cultural da Marinha, da Academia de Marinha, da Biblioteca Central da Marinha, da Escola Naval, do Instituto Hidrográfico, da Revista da Armada e da Banda da Armada, divulgam as artes e ciências ligadas ao mar e contribuem para o aperfeiçoamento intelectual e moral dos portugueses sobre os assuntos do mar. A presença dos navios, dos fuzileiros e dos mergulhadores, bem como dos vários organismos da Direcção-Geral da Autoridade Marítima e da Polícia Marítima, têm como propósito fundamental evocar a presença de Portugal no mar.
Ao CELEBRAR O MAR, a Marinha festeja um passado que importa preservar e projectar no futuro que se quer construir, abrindo novas oportunidades à Nação. Porém, mais do que um momento de exaltação corporativa, é sempre uma manifestação inequívoca da perfeita e secular simbiose do País com a sua Marinha.»
In «REVISTA DA ARMADA» (fotografias e texto), edição de Junho de 2007

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