por Fernanda Ribeiro (Público)
«Com 1240 milhas náuticas percorridas em 194 horas de navegação entre Lisboa e Nice, os vinte instruendos da primeira etapa da expedição do Creoula ao Mediterrâneo e aos aquários de Valência, Barcelona, e Mónaco, despediram-se, fez ontem oito dias, do veleiro onde tiveram uma experiência fora do comum. Passaram no mar umas férias pagas (1500 euros) em que tiveram de trabalhar e suar, mas em que simultaneamente se deram a um pequeno grande luxo: ter o mar por companheiro, o que à maioria abriu o apetite pela arte de navegar e estimulou o amor pelos oceanos.
Uma nova equipa de 40 instruendos rendeu os que tiveram de abandonar o navio de treino de mar em Nice, onde o Creoula fez escala, e de onde na segunda-feira passada largou rumo a Génova, numa expedição patrocinada pelo Oceanário de Lisboa, que no regresso passará ainda por Palma de Maiorca.
No penúltimo dia, antes de embarcarem de avião rumo a Lisboa, foi tempo de apreciar alguns belíssimos veleiros que, como o Avel e o Tuiga, foram construídos no início do século passado e que agora, depois de recuperados, se mostram na marina do Mónaco.
Na viagem entre Barcelona e Nice, já se sentia alguma nostalgia quando da guarnição alguém lembrava: "Hoje é o vosso último dia de navegação". Nesse dia, os membros da tripulação ainda tiveram um bónus, para recordar: a passagem de baleias a bombordo, imagens que foram captadas por vários oficiais e praças, para quem não é assim tão comum encontrar estes cetáceos por perto. "Quando fomos aos Açores, a expedição tinha precisamente esse objectivo, mas nunca chegámos a vê-las como agora", diziam. Mas se para os instruendos regressar a terra e aos respectivos trabalhos não suscitava grande emoção, já entre a guarnição do navio, que desde Abril passado navega, o sentimento era quase o oposto. "Sorte a vossa", diziam alguns marinheiros, desejosos de ver as namoradas, as mulheres e os filhos a crescer longe deles.
Nesse último dia de navegação ainda houve tempo para mais um exercício de fogo a bordo, desta vez na cozinha e provocando um "ferido", o imediato Gonçalo Baganha, prontamente socorrido pela guarnição e pela equipa médica. Uma derradeira aula de ginástica, ministrada pelo tenente Madeira, o oficial do Creoula que se esforçou por manter em forma os corpos dos seus instruendos, e uma aula de biologia, dada por Patrícia Tiago, sobre a poluição nos mares, preencheu o resto do dia passado no mar, em que também houve quartos, os turnos de trabalho distribuídos pela tripulação.
Belugas, medusas e corais vivos nos aquários da Europa
Quinta e sexta-feira já foram passadas em terra, em Nice e no Mónaco, onde os novos marinheiros visitaram o centenário Museu Oceanográfico, fundado pelo Príncipe Alberto I, pioneiro da oceanografia moderna e amigo do monarca português D. Carlos, com quem partilhou experiências e conhecimentos.
Criado em 1903, este museu tem dos melhores aquários da Europa. Nele se podem ainda encontrar verdadeiros corais, quer os fósseis recolhidos nas expedições oceanográficas feitas por Alberto I, numa época em que não se colocava ainda o risco de destruição destas espécies, quer corais vivos, reproduzidos localmente em águas do Mediterrâneo, captadas para abstecer os aquários do Mónaco. Sendo em pequeno formato, comparativamente aos tanques do Oceanário de Lisboa ou do parque aquático de Valência, o museu do Mónaco possui pequenas pérolas dos mares, tratadas com rigor científico.
E se em Valência se podem observar belugas e outras espécies de grandes dimensões, entre as quais tubarões e golfinhos (estes últimos amestrados para actividades de animação) tal como no parque Marineland, de Antibes, perto de Nice - onde há leões marinhos e orcas também usadas para espectáculo - é em Barcelona, no Aquarium, criado há dez anos, e no Mónaco que se encontra maior afinidade com a forma como no Ocenário de Lisboa são apresentadas as muitas espécies marinhas observadas nesta expedição pelo Mediterrâneo.
O Oceanographic, de Valência, situado na "Cidade das Ciências e das Artes" - cujo plano de pormenor saiu da mão do arquitecto e engenheiro espanhol Santiago Calatrava - enquadra-se mais no conceito de parque aquático, com muitas sessões de animação e diversões para os mais novos. O Aquarium de Barcelona, apelando mais ao rigor e menos ao espectáculo, é misto, pois tem tanques grandes - não tanto como o do Ocenário de Lisboa, que tem o maior da Europa - e corredores por onde se passa, para que os visitantes se sintam em pleno meio aquático. Medusas, anémonas, peixes escorpião, ou peixes-leão, peixes-palhaço e peixes lua foram algumas das espécies mais apreciadas.
Mas, a melhor apresentação de todas foi a que várias vezes brindou os instruendos a bordo do Creoula, que nesta viagem puderam ver duas espécies de baleias, (baleias piloto e cachalotes) tubarões, golfinhos, mantas (semelhantes às raias) e peixes voadores.
"Não chegámos foi a ter mar", dizia já no último dia João Baptista, que se dividia entre o prazer de usufruir a companhia das calmas e cálidas águas do Mediterrâneo e o gosto pela aventura de apanhar um mar turbulento, como esteve para acontecer na rota para Nice, que acabou por ser desviada das rajadas do mistral, a fim de eviar enjoos entre a tripulação.
Mas já no final da viagem, eram vários os instruendos a desejar que a Marinha e o Ministério da Defesa nunca se arrependam de manter o velho bacalheiro a navegar, como tem feito desde há dois anos, sob o comando de Martins da Cruz, estimulando o gosto pela arte e o amor pelos oceanos.»
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